domingo, 20 de outubro de 2019

O que é o Método START?

O que é o Método START?

Conheça a importante técnica de triagem de múltiplas vítimas utilizada no Atendimento Pré-Hospitalar

Antes de responder o que é o método START, é necessário que sejam apresentados alguns conceitos que permitem a inserção da técnica em um contexto.

O pré-hospitalar apresenta particularidades que interferem na assistência prestada. Esse ambiente é muitas vezes considerado inadequado, sem iluminação, regado pela chuva, com calor extremo e até mesmo com possibilidade de novos incidentes.

Sendo assim, a ação da equipe de profissionais capacitados deve ser rápida, porém pautada por condutas adequadas e fundamentadas cientificamente. As intervenções podem definir a vida ou a morte, a sequela temporária ou definitiva e até mesmo uma vida dependente ou produtiva. Portanto, devem ser realizadas de modo ágil e tranquilo, garantindo a segurança da equipe e da (s) vítima(s).


O Atendimento Pré-Hospitalar prestado a uma única vítima possui princípios bem diferentes da atuação prestada em Incidentes de Múltiplas Vítimas (IMV). No primeiro caso, todo recurso deve ser disponibilizado na tentativa de salvar a vida ou evitar sequelas no indivíduo. O segundo, por outro lado, exige a tentativa de salvar o maior número de vítimas possíveis. Surge então a necessidade de definir prioridades 

por meio da triagem.

Simulação de acidente no curso de APH – Atendimento Pré-Hospitalar do IESPE

É preciso deixar claro que em ambos os casos os profissionais precisam de treinamento adequado para definir e executar as técnicas de atendimento. Para os interessados, existem muitos cursos de capacitação (APH, BLS, ACLS, PALS…) e de pós-graduação na área.

Triagem de vítimas

O que é o método START?A palavra triagem, segundo o dicionário Michaelis, tem etimologia francesa e significa “selecionar, ato de escolher”. Consiste em um processo de classificação das vítimas por gravidade, com o objetivo de tratá-las maximizando os sobreviventes e reduzindo as sequelas. 
Há registros históricos do ano de 1800 sobre as primeiras aplicações da triagem nos campos de batalha de Napoleão Bonaparte, na tentativa de tratar os soldados que poderiam voltar para a linha de frente. O número elevado de soldados era quase sinônimo de vitória.

Atualmente, com o surgimento de ataques terroristas e catástrofes naturais, o atendimento pré-hospitalar tem a triagem como ferramenta imprescindível, uma vez que um incidente com múltiplas vítimas apresenta recursos em proporção incompatível para atendimento e transporte de todos envolvidos no sinistro. Ou seja, se os recursos (humano, infraestrutura, materiais, transporte) disponíveis são escassos, há necessidade de se realizar uma triagem a fim de classificar e categorizar as vítimas de acordo com a gravidade, utilizando a lógica “maior chance de sobrevivência”.O Ministério da Saúde define como recomendação a realização de triagem em casos de eventos com mais de cinco vítimas. O melhor método de triagem é aquele que é de conhecimento da equipe e aplicado de maneira correta. O método START, por ser simples e objetivo, é o método de triagem mais utilizado ao redor do mundo.
Levando em consideração que o ambiente está seguro, o cenário já foi avaliado e isolado pela primeira equipe que chegou no local do sinistro e as informações já foram repassadas para que a central de regulação acione reforços e apoio necessário, agora sim podemos voltar ao início do raciocínio: “O que é o método START?”. Já sabemos o contexto no qual podemos precisar dele, agora vamos aprender como utilizá-lo.

O método START


A criação do método START data de 1983 quando bombeiros-paramédicos de Newport Beach e a equipe médica do Hoag Memorial Hospital (EUA) propuseram um processo de triagem de vítimas simplificado e tratamento rápido (Simple Triage and Rapid Treatment – START). Para tanto, esse método de triagem de vítimas não preconiza o diagnóstico médico e, sim, a classificação das pessoas acidentadas com base nas necessidades de cuidados e chance de sobrevivência.

Como deve ser a utilização do método START?

Este método utiliza do mnemônico “30-2-pode fazer” para triar as vítimas de um incidente, no qual “30” avalia a capacidade respiratória em um minuto, “2” a qualidade da perfusão periférica em 2 segundos e “pode fazer” o nível de consciência dessa vítima para seguir os comandos dos socorristas.

Essa avaliação inicial dura aproximadamente 30 segundos e não deve ultrapassar 60 segundos. Portanto, é rápida e não requer equipamentos médicos especializados.

Lembre-se que o START é um processo dinâmico e contínuo. Assim, as vítimas devem ser avaliadas, classificadas e reavaliadas constantemente até que o tratamento definitivo em um centro de trauma seja feito, pois uma classificação inicial pode ser alterada à medida que decorre o tempo após o trauma (as lesões ocultas aparecem).

Abaixo segue o fluxograma sugerido pelo Hoag Hospital e o Corpo de Bombeiros de Newport Beach, publicado na 8ª edição do PHTLS/NAEMT:
O que é o método START?

Como é a categorização das vítimas triadas?

No método START, as vítimas são classificadas pelo estado de gravidade e cada categoria utiliza uma cor para fácil identificação no momento de evacuação e transporte da cena.

Imediata (cor vermelha): vítimas com ferimentos graves, porém com chance de sobrevida. Possuem prioridade elevada para atendimento, retirada da cena e transporte. Exemplo: Trauma torácico com tórax instável.

Pode aguardar (cor amarela): vítimas com ferimentos moderados. Podem aguardar um tempo na cena até tratamento definitivo. Exemplo: membros fraturados.

Leve (cor verde): vítimas com ferimentos mínimos, que podem deambular e ajudar outras vítimas mais debilitadas. Essas vítimas são as que costumam causar alguns problemas, pois estão deambulando, assustadas e com dores. Deve-se investir apoio psicológico e orientação para que não sobrecarreguem o serviço terciário de saúde. Exemplo: escoriações difusas no corpo.

Mortos (cor cinza ou preto): vítimas que não respondem a procedimentos simples, como abertura de vias aéreas e com ferimentos críticos que indicam morte iminente. Exemplo: paciente em parada cardíaca, exposição de massa encefálica.

A categorização pode ser facilitada pelo uso de cartões nas cores vermelha, amarela, verde e preta (cinza). Esses instrumentos são colocados em cada vítima de acordo com a gravidade.

Após a categorização das vítimas, o que deve ser feito?

As vítimas devem ser encaminhadas às áreas de prioridade, que possuem as mesmas cores definidas de acordo com a categorização das vítimas (vermelha, amarela, verde e cinza). O serviço de pré-hospitalar geralmente delimita essas áreas com lonas estendidas no chão, em área segura, para que seja realizada a segunda parte da triagem, confirmando a categorização e iniciando o tratamento da equipe médica para posterior transporte.
O que é o método START?
Simulação de acidente com múltiplas vítimas realizado pela VIABAHIA em Jequié

Quando essas vítimas têm acesso ao tratamento definitivo?

A continuidade do serviço pré-hospitalar e o tratamento definitivo ocorre no intra-hospitalar. Para que os acidentados tenham acesso a esse serviço, é realizado a triagem de evacuação.

As vítimas graves e moderadas (vermelhas e amarelas) são encaminhadas, nessa sequência, pelas viaturas até o hospital.

As vítimas leves (verdes) podem ir por meios próprios, sendo orientadas a procurar unidades de menor complexidade.

E, por fim, as vítimas expectantes (cinzas) podem ser removidas, se necessário ainda, após a evacuação de todas as outras.

O que é o método START?

Simulação de acidente realizada pelo SAMU em Ribeirão Preto

Quem pode classificar as vítimas de acordo com o método START?

É importante ter conhecimento e treinamento especializado para aplicação desse método, uma vez que o número de vítimas em um ambiente de austeridade requer calma, logística e liderança. A tomada de decisões e o raciocínio crítico-reflexivo sobre o estado das vítimas são os maiores desafios para esse profissional, uma vez que ficará sob sua responsabilidade o reconhecimento das vítimas em estado crítico e com pouca chance de sobrevida. Treinamento e educação permanente são o caminho indicado para conseguir atendimento linear e sistematizado.

Existem outros métodos de triagem?

Sim! Os outros métodos de triagem de vítimas no pré-hospitalar utilizam a lógica descrita para o START com algumas adequações para a realidade local.

M.A.S.S. (move, assess, sort, send): mover, avaliar, classificar e enviar.

SALT (sorting, assessing, life-saving, treatment, transport): classificar, avaliar, intervir para salvar vidas, tratar/transportar.

Protocolo de Manchester: classificação de risco utilizada no meio intra-hospitalar, “pretende assegurar que a atenção médica ocorra de acordo com o tempo resposta determinado pela gravidade clínica do paciente, além de ser ferramenta importante para o manejo seguro dos fluxos dos pacientes quando a demanda excede a capacidade de resposta”².

Pontos importantes para consideração:

O estabelecimento de protocolos facilita a realização das intervenções em qualquer situação. Esse reflexo fica mais evidente em situações extremamente estressantes como IMV. Os protocolos servem para nortear o atendimento, lembrando que as adaptações são cabíveis, desde que aplicadas de forma coerente.

As simulações com cenários realísticos são muito eficazes, principalmente quando realizadas com diferentes seguimentos como Corpo de Bombeiros, SAMU (Serviço de Atendimento móvel de Urgência), Defesa Civil, Polícia Rodoviária Federal, Agentes de Trânsito, Companhias Energética, entre outros. Apesar de todas as instituições apresentarem o mesmo propósito que é atender a vítima, cada uma possui seu próprio processo de serviço e a união de todos é lapidada a cada atendimento. Sendo assim, a cada simulação o serviço vai se estreitando em prol da vida dos envolvidos.

Outro aspecto importante é um Sistema de Comando de Incidentes (SCI), em que todos os profissionais envolvidos em uma cena de desastre devem estar alinhados com os fluxogramas de atendimento de vítimas e conhecer a pactuação entre as categorias profissionais e hospitais que receberão as vítimas. Em relação aos hospitais, vale destacar que nem sempre o mais próximo do desastre poderá receber um número elevado de vítimas.

Conclusão

O IMV é um evento caótico que possui vítimas gritando, pessoas chorando, sangue, mutilações, várias pessoas pedindo por socorro e socorristas precisando decidir quem serão os primeiros a serem socorridos, quem serão os mais graves, quem serão os ignorados em primeira instância. Essas são decisões muito difíceis de serem realizadas. Muito complicado deixar uma criança de 5 anos em parada cardiorrespiratória (PCR) sem assistência porque existem dezenas de vítimas precisando do seu trabalho. Que bom seria se cada vítima possuísse sua equipe exclusiva. Infelizmente isso é sinônimo de utopia.

Sendo isso uma verdade, vale ressaltar a importância de se respeitar as categorias definidas pelo método START e atendê-las conforme preconizado. Uma criança em PCR é classificada como código cinza e deve ser expectante até que tenha recurso suficiente para atender a todos. Provavelmente essa criança aumentará o número de óbitos do incidente, mas a sua conduta enquanto socorrista fará com que tantas outras vítimas sobrevivam. Decisões complexas! Então precisamos ser frios? Negativo! Precisamos estar preparados tecnicamente. Basta respeitar o princípio básico do IMV: salvar o maior número de vítimas possível.

Referências para consulta:

National Association of Emergency Medical Technicians (NAEMT). PHTLS: Atendimento pré-hospitalar ao traumatizado. 8ª edição. Editora Artmed. 2017.

Grupo Brasileiro de Classificação de risco. O Protocolo de Manchester de Classificação de Risco. Disponível em: <http://gbcr.org.br/sistema-manchester->. Acesso em 20 fev 2018.

Significado palavra “triagem”. Consulta em dicionário Michaelis Online. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/>. Acesso em 20 fev 2018.

Crédito de imagens:

www.abcr.org.br/Conteudo/Noticia/11671/simulado+de+acidentes+com+multiplas+vitimas+sera+realizado+neste+final+de+semana+em+jequie.aspx

www.jornaldaregiaosudeste.com.br/noticias/simulacao-de-acidente-no-aeroporto-de-ribeirao-preto-alcancou-objetivo

Autoras:







AMANDA DIAS Enfermeira

Coord. da Pós-graduação de Urgência e Emergência pelo IESPE; Enfermeira Intensivista pela UFJF e Emergencista pela Uniredentor; Docente e Instrutora do curso de extensão APH Trauma – IESPE; Instrutora do BLS - Basic Life Support pelo IESPE-SOMITI/AHA American Heart Association; Enfermeira no SAMU Três Rios e na Fundação Hemominas de Juiz de Fora.









GRAZIELLI GAVA   Enfermeira

Possui graduação em Enfermagem pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2012). Residência em Enfermagem Clínica Médica e Cirúrgica com ênfase em Cardiologia pela UNIRIO . Enfermeira pelo Consórcio Intermunicipal de Saúde da Macrorregião Sudeste (CISDESTE) - SAMU Juiz de Fora - MG. Docente do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (IFET) campus Barbacena - MG. Instrutora do Curso de Basic Life Support (BLS-AHA) e de Atendimento Pré-Hospitalar pelo Instituto Educacional São Pedro (IESPE) - Juiz de Fora - MG. Pós Graduanda em Enfermagem Urgência e Emergência pela Uninter. Mestranda pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - MG.

Fonte: IESPE

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